Como provar judicialmente que não era o condutor autuado

Receber uma multa de trânsito pode ser desconcertante, especialmente quando você sabe que não era o condutor do veículo no momento da infração. Esse tipo de situação é mais comum do que parece e pode ocorrer por diversos motivos, como erros no registro da infração, empréstimo do veículo a terceiros ou clonagem de placas. Para evitar que injustiças sejam perpetuadas, o sistema jurídico brasileiro oferece meios para corrigir equívocos dessa natureza. Neste artigo, vamos abordar de forma detalhada como comprovar judicialmente que você não era o condutor autuador, destacando os procedimentos, as provas necessárias e os aspectos legais relacionados.

Compreendendo a atribuição de responsabilidade no trânsito

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é claro ao estabelecer que o proprietário do veículo é o responsável inicial pelas infrações de trânsito, salvo quando a responsabilidade pode ser transferida ao condutor. No entanto, essa transferência depende de um processo formal, geralmente envolvendo a indicação do verdadeiro condutor no prazo estipulado pela autoridade de trânsito.

Essa presunção de responsabilidade pode causar problemas em casos de autuação equivocada, já que a penalidade, incluindo multas e pontos na CNH, recai diretamente sobre o proprietário. Nessas situações, é fundamental buscar meios de corrigir o erro, seja pela via administrativa, seja por meio de ações judiciais.

Diferenças entre proprietário e condutor na autuação

É importante entender que o proprietário do veículo nem sempre é o responsável por infrações cometidas com seu automóvel. O CTB prevê a possibilidade de indicar outra pessoa como o real condutor, desde que isso seja feito de forma tempestiva e dentro dos trâmites exigidos. No entanto, situações como multas registradas por radares, notificações recebidas fora do prazo ou infrações envolvendo veículos clonados podem dificultar essa identificação.

Além disso, há casos em que a responsabilidade é compartilhada, como em situações de transporte de cargas com irregularidades ou infrações relacionadas a condições do veículo, como equipamentos obrigatórios inoperantes. Nessas hipóteses, o proprietário pode ser autuado mesmo que não estivesse na direção.

Procedimentos administrativos para contestar a infração

O primeiro passo para contestar a responsabilidade por uma infração é recorrer administrativamente. Esse procedimento é menos custoso e pode evitar a judicialização do problema. Ao receber a notificação de autuação, o proprietário deve:

  1. Verificar o prazo para indicação do condutor: Geralmente, o prazo para realizar a indicação é de 15 a 30 dias a partir do recebimento da notificação. Caso esse prazo já tenha expirado, será necessário recorrer a outras etapas.
  2. Preencher o formulário de indicação do condutor: Esse documento deve conter os dados completos do real condutor, incluindo nome, CPF e número da CNH. Além disso, deve ser assinado por ambas as partes.
  3. Apresentar defesa prévia: Caso não seja possível indicar outro condutor ou a indicação tenha sido rejeitada, o proprietário pode entrar com uma defesa administrativa, apresentando provas de que não era o responsável pela infração.
  4. Recorrer à JARI: Caso a defesa prévia seja indeferida, ainda é possível recorrer à Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI), que avaliará novamente o caso.

Se todas as etapas administrativas forem esgotadas sem sucesso, a judicialização pode ser o caminho mais adequado.

Provas essenciais para contestar judicialmente

Quando a contestação administrativa não resolve o problema, é necessário reunir provas consistentes para demonstrar ao juiz que o proprietário do veículo não era o condutor responsável pela infração. Entre os documentos e evidências que podem ser apresentados, destacam-se:

  • Fotografias do momento da infração: Em muitos casos, as autuações por radares ou câmeras de monitoramento incluem imagens que podem revelar quem estava dirigindo.
  • Comprovantes de localização: Recibos de pedágios, notas fiscais de compras, registros de ponto eletrônico ou comprovantes de viagens aéreas podem demonstrar que o proprietário estava em outro lugar no momento da infração.
  • Declarações de testemunhas: Pessoas que possam atestar que o veículo foi conduzido por outro indivíduo durante o período da infração podem ser convocadas para depor ou fornecer declarações por escrito.
  • Provas documentais de empréstimo ou cessão de uso: Contratos de locação, comodato ou outros registros formais que comprovem que o veículo estava sob responsabilidade de outra pessoa são muito úteis.
  • Boletim de ocorrência: Em casos de clonagem de placas ou furto do veículo, um boletim de ocorrência é essencial para embasar a defesa.

Ações judiciais cabíveis para contestar a autuação

Quando os recursos administrativos não obtêm êxito, o caminho judicial se torna indispensável. Existem diferentes tipos de ações judiciais que podem ser utilizadas dependendo das circunstâncias:

  • Ação declaratória: Utilizada para que o juiz reconheça que o proprietário não era o condutor responsável pela infração, anulando assim a multa e a penalidade aplicada.
  • Mandado de segurança: Recurso utilizado em situações de urgência, quando há um direito líquido e certo violado, como a iminência de suspensão da CNH devido à autuação indevida.
  • Ação anulatória: Busca a anulação de penalidades aplicadas de forma errônea, baseando-se na ausência de responsabilidade do proprietário.

O sucesso dessas ações depende diretamente da qualidade das provas apresentadas e da consistência dos argumentos legais utilizados na petição inicial.

Riscos de fornecer informações falsas

É importante ressaltar que qualquer tentativa de fornecer informações falsas, como indicar um condutor fictício ou omitir detalhes relevantes, pode configurar o crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal. A pena para esse delito varia de um a cinco anos de reclusão, além de multa. Por isso, é crucial agir de forma transparente e ética ao contestar uma autuação.

Orientação jurídica especializada

Contar com o auxílio de um advogado especializado em direito de trânsito é indispensável para garantir que todos os passos sejam seguidos corretamente. Esse profissional pode ajudar na elaboração de defesas administrativas, na escolha da melhor estratégia judicial e na coleta de provas necessárias.

Além disso, o advogado pode orientar sobre questões específicas, como os prazos para interpor recursos, os custos envolvidos no processo e as implicações legais de cada decisão.

Considerações finais

Comprovar judicialmente que não era o condutor autuador é um processo que exige paciência, organização e conhecimento das regras aplicáveis. Desde a coleta de provas até a escolha da via judicial mais adequada, cada etapa é crucial para evitar penalidades indevidas e corrigir eventuais equívocos.

Agir rapidamente, buscar orientação profissional e reunir evidências robustas são passos essenciais para garantir que a justiça prevaleça e que seus direitos sejam protegidos no âmbito do trânsito.

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Gustavo Saraiva

É empreendedor digital, investidor e cofundador do Doutor Multas, sócio do Âmbito Jurídico e sócio da Evah. É colunista do UOL, JUS, Icarros e escreve para dezenas de portais, revistas e jornais.

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