Quando não é preciso fazer inventário: uma análise jurídica completa

O inventário é um processo essencial na maioria dos casos de sucessão para a partilha de bens deixados por uma pessoa falecida. Contudo, existem algumas situações específicas em que a realização do inventário pode ser dispensada. Nessas circunstâncias, a transferência de determinados bens pode ocorrer de forma mais simples, rápida e com menos burocracia. Neste artigo, vamos abordar os principais cenários em que não é necessário fazer inventário, analisando a legislação aplicável e explicando as alternativas jurídicas que permitem a transmissão de bens sem a necessidade do procedimento formal de inventário.

O que é o inventário e sua finalidade

O inventário é um procedimento jurídico que visa identificar, avaliar e partilhar os bens de uma pessoa falecida entre seus herdeiros. Ele é necessário na maioria dos casos para garantir que a divisão do patrimônio ocorra de forma justa e regular, respeitando os direitos dos herdeiros e credores. Além disso, o inventário é a via formal para regularizar a situação de bens imóveis e móveis, permitindo que sejam transferidos para os herdeiros de acordo com a legislação sucessória.

Apesar de ser o procedimento mais comum, o inventário não é obrigatório em todos os casos. Em algumas situações específicas, a própria legislação brasileira prevê mecanismos alternativos que permitem a transferência de certos bens sem a necessidade de abertura de inventário. Esses casos representam exceções à regra geral e devem ser analisados com cautela para evitar problemas legais.

Transferência de valores de contas bancárias de pequeno valor

Um dos casos em que o inventário pode ser dispensado é na transferência de valores de contas bancárias de pequeno valor. Muitos estados brasileiros permitem que os bancos façam a liberação de saldos bancários de menor monta diretamente ao cônjuge sobrevivente ou aos herdeiros, desde que o saldo não ultrapasse um determinado limite, que varia de acordo com a legislação estadual.

Esse procedimento é conhecido como alvará judicial para levantamento de valores de pequeno valor e pode ser utilizado para liberar saldos de poupança, contas-correntes e até mesmo de certos investimentos, desde que o montante esteja dentro do limite permitido. Para isso, o herdeiro interessado deve solicitar a liberação diretamente ao banco, apresentando documentos que comprovem o falecimento e sua relação com o falecido, como a certidão de óbito e documentos de identidade.

Seguro de vida e previdência privada

Outro exemplo de situação em que não é necessário fazer inventário é a transferência de valores de seguro de vida e certos tipos de previdência privada. O seguro de vida, por sua própria natureza, não integra o espólio do falecido, uma vez que seu objetivo é garantir um valor aos beneficiários indicados no contrato de seguro após a morte do segurado.

Como o seguro de vida não faz parte do patrimônio a ser inventariado, os valores podem ser pagos diretamente aos beneficiários nomeados na apólice sem a necessidade de abrir um inventário. Basta que os beneficiários apresentem à seguradora os documentos necessários, como a certidão de óbito, comprovante de vínculo e a apólice do seguro, para que o pagamento seja realizado.

O mesmo ocorre com algumas modalidades de previdência privada, como o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), quando há indicação expressa de beneficiários. Nesse caso, os valores são pagos diretamente aos beneficiários e não se submetem ao processo de inventário, seguindo as regras do contrato de previdência.

Transferência de bens pelo usucapião extrajudicial

O usucapião extrajudicial é uma alternativa para regularizar a posse de um imóvel que já era ocupado por um herdeiro antes do falecimento do proprietário. Em situações em que o herdeiro reside no imóvel há muitos anos, de forma mansa, pacífica e ininterrupta, e preenche os requisitos legais para a usucapião, ele pode solicitar a regularização da propriedade diretamente em cartório, sem necessidade de inventário.

O usucapião extrajudicial é feito mediante procedimento no cartório de registro de imóveis, e o interessado deve apresentar documentos que comprovem o tempo de posse, além de declarações de vizinhos e planta do imóvel. Essa modalidade pode ser uma opção vantajosa quando há apenas um herdeiro na posse do imóvel e não há interesse de outros herdeiros em disputar a propriedade.

Transferência de veículos pelo Detran sem inventário

Em alguns estados, também é possível realizar a transferência de veículos automotores sem a necessidade de inventário, desde que o valor do veículo esteja dentro de um limite estabelecido pela legislação estadual. Esse processo é feito diretamente no Detran, por meio de um alvará judicial específico, que autoriza a transferência para o herdeiro interessado.

O processo de transferência de veículos sem inventário é mais simples e rápido, exigindo que o interessado apresente documentos como a certidão de óbito, documentos de identidade e o comprovante de propriedade do veículo. Essa alternativa é útil para regularizar a posse de veículos de menor valor, sem necessidade de passar pelo procedimento completo de inventário.

Partilha de bens móveis de pequeno valor

Outro cenário em que não é necessário fazer inventário é a partilha de bens móveis de pequeno valor, como eletrodomésticos, móveis, joias e outros objetos pessoais. Quando esses bens não têm valor significativo e os herdeiros estão de acordo quanto à divisão, é possível realizar a partilha de forma amigável, sem necessidade de envolver o Judiciário.

Embora não seja obrigatório um inventário formal para esses bens, é recomendável que os herdeiros façam um acordo por escrito, registrando a divisão dos itens. Esse acordo pode ser feito por meio de um documento simples, assinado por todos os herdeiros, para evitar futuros desentendimentos e para que cada herdeiro tenha um registro da divisão acordada.

Meação do cônjuge sobrevivente em regime de comunhão parcial

Quando o falecido era casado sob o regime de comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente tem direito à metade dos bens adquiridos durante o casamento, chamada de meação. A meação corresponde aos bens que já pertenciam ao cônjuge sobrevivente antes do falecimento e, por essa razão, não integra o espólio a ser partilhado.

Embora a meação não dispense o inventário para os bens que pertenciam exclusivamente ao falecido, ela permite que o cônjuge sobrevivente continue administrando e utilizando os bens que já lhe pertenciam sem necessidade de passar pelo processo de inventário. A parte que não integra a meação é que precisa ser inventariada e dividida entre os herdeiros, caso existam.

Quando há testamento e todos os bens foram doados em vida

Em casos onde o falecido fez doações em vida de todos os seus bens para os herdeiros, e não há bens remanescentes a serem partilhados, o inventário pode ser dispensado. Essa situação é mais comum quando a pessoa em vida opta por transferir todos os seus bens por meio de doações formalizadas em cartório, com reserva de usufruto ou não.

No entanto, é importante que as doações sejam feitas de forma correta, com a devida formalização e pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), para evitar questionamentos futuros. Nessas circunstâncias, ao falecer, o patrimônio do falecido já estará em nome dos herdeiros, eliminando a necessidade de abertura de inventário.

Considerações finais

O inventário é, em regra, um procedimento necessário para a partilha de bens após o falecimento de uma pessoa, mas em alguns casos específicos, ele pode ser dispensado, facilitando a regularização da transferência de determinados bens. Contar com a orientação de um advogado especializado em direito sucessório é fundamental para avaliar se a dispensa do inventário é possível e quais são as melhores alternativas para cada situação.

Entender os cenários em que o inventário não é obrigatório pode trazer economia de tempo e recursos para os herdeiros, garantindo que a transmissão dos bens ocorra de maneira rápida e sem complicações. Além disso, conhecer essas possibilidades permite que as famílias se organizem de forma mais eficiente, evitando problemas legais e respeitando a memória do falecido.

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Gustavo Saraiva

É empreendedor digital, investidor e cofundador do Doutor Multas, sócio do Âmbito Jurídico e sócio da Evah. É colunista do UOL, JUS, Icarros e escreve para dezenas de portais, revistas e jornais.

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